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Cap. 1

Capítulo 2 - Rumo À Caneta Preta!

Cap. 3



Notas do Autor

Uma coisa que, particularmente, acho inútil — neste caso, com o sentido de algo que não cumpre o seu papel e/ou cujo próprio papel é fútil — são diários de sonho. Eu já vi muitas espécimes disso, como blogs, fóruns, contas nas redes sociais e até agendas físicas para registrar todos os filminhos que o cérebro do dono reproduziu enquanto dormia. Teoricamente, a finalidade de um diário de sonho é manter a imaginação viva e capturar os pensamentos mais puros e relevantes, vindos do fundo da alma, para servir de inspiração ou até alerta. Eu não preciso de um diário de sonho; ninguém precisa. Os sonhos que de fato importam ficarão marcados. Serão eternizados na nossa memória como um ferro quente, influenciarão em ações futuras, medos e objetivos que amadureceremos ao longo do crescimento. Os sonhos que importam vêm para ficar.

〜 L.C.

Inúmeras pessoas, inúmeros pedidos e inúmeras negações. Foram os vinte minutos mais longos da vida dos três rapazes. Desde um simples “não” a séries de desculpas muito bem estruturadas. Para Miguel, era mais ofensivo enchê-lo de histórias do que simplesmente negar, pois significava que o sujeito tivera paciência de elaborar tamanhos acontecimentos do que apenas emprestá-lo uma mísera caneta; ora, não era tolo, pois sabia que muitos tinham sim a bendita. Era como sair para vender doces na rua: tentar, convencer, humilhar-se para não ter retorno.

— Eles têm que entender que negar não é pecado — murmurava, atravessando pela quinta vez o primeiro corredor à procura de recém-chegados. Mal lhe preocupava o estado dos amigos que o seguiam logo atrás.

— Rapaz, desista — pôde ouvir Darwin falar, que soava mais como uma súplica.

Desistir? Uma das coisas que mais lhe satisfazia era negar algo que outros o mandassem fazer; algo que era implacável, que o empurrasse contra a parede na visão do comunicador. Tamanha fala do parceiro lhe encheu de energia e força de vontade que podia sentir a determinação correr em suas veias e transbordar pelas unhas.

Reabastecido, Miguel volta a planejar e a notar o tempo que passou. Não podia perder nenhum minuto a mais. Teria que perguntar a alguém que certamente teria uma caneta preta – naquele ponto, escreveria até com tinteiro se fosse necessário. Em meio ao devaneio, surgiu-lhe a ideia.

— Já sei! Muito obrigado, Darwin! — saltou, assustando os amigos, que se olham, curiosos. Miguel avança e junta as mãos, os dedos da direita entrelaçados com os da esquerda minunciosamente. — Seguinte, lembram da Vitória? A menina que tem aquele estojo enorme? Vamos pedir a ela!

— Seria uma ótima ideia, se não fosse por um detalhe: você está devendo um marca-texto a ela. O dourado, que você deixou secar ano passado logo antes do verão e nunca mais devolveu — disse Cadu.

As memórias socam Miguel como o punho de um gigante, e ele encara Cadu feito um homem perdido, o que não o surpreendia, pois imaginava que havia esquecido.

Mas não custava nada.

Então, sentados perto da entrada, viram ela passar e imediatamente a reconheceram pelo penteado loiro Chanel, levantando e a seguindo. Uma vez reclusos, Miguel toma a iniciativa.

— Bom dia, Vitória! — deu o alô, que a fez virar em direção aos três, o grande estojo amarelo já em mãos. Carregava-o como se fosse um tesouro; seu tesouro.

— Há quanto tempo. Veio pagar sua dívida, Miguel?

O quê? Como pode?! A resposta da garota chegou a surpreender não só o endividado, mas os que o acompanhavam. De que maneira ela poderia lembrar disso? Haja memória. Já era quase um ano desde aquele ocorrido, ou será que era? De qualquer modo, era de se cair o queixo. Ainda não estava perdido, havia uma brecha.

Hã? Espera... eu não sei do que está falando. Dívida? Eu nunca te pedi nada. Tem certeza de que sou eu quem lhe deve?

— Tenho, e posso provar — e sacou um bloco de notas, já na página certa.

...  ̶D̶A̶L̶T̶O̶N̶

 ̶T̶H̶O̶M̶S̶O̶N̶

MIGUEL

̶R̶U̶T̶H̶E̶R̶F̶O̶R̶D̶

̶B̶O̶H̶R̶...

— Mas você é muito desocupada, mesmo... — resmungou, recuando e pondo as mãos nos bolsos como se não tivesse acabado de mentir.

— Chamaste-me de quê?!

— Nada não! — respondeu rapidamente e saiu, levando os dois amigos consigo.

Droga, droga, droga... não havia previsto isso – ou talvez sim, mas apenas como uma chance mínima. Devia ser menos impulsivo às vezes, não é uma atitude digna de um bom rapaz controlado, como dizem os dogmas alemães.

— Esperava que isso fosse ocorrer. Mas, de qualquer forma, não deveria desistir só por causa disso... bem, claro que ela era a última esperança, mas vai que a gente encontra uma caneta de bobeira no chão? — Darwin falava enquanto corria junto aos outros, mas foi ignorado pela respiração pesada de Miguel.

Enquanto arfava, suando frio e com o peito dormente, este tentava pensar. A esperança é a última que morre, mas era assegurável que, àquela altura, não tinha jeito. Todos os conhecidos já tiveram sua vez, junto aos desconhecidos também. A resposta estava nela, naquela menina. O objetivo girava em torno dela, a partir daquele momento. Freando e pondo as mãos nos joelhos, disse:

— Se não temos moral para avançar contra ela, tiraremos proveito das entranhas e ascenderemos à sua altura.

— Fascismo? — perguntou Darwin.

— Não. Stephanie! — Miguel berrou de forma dramática, como havia feito ao convocar os dois para a busca. Mas, claramente, ambos o encararam em dúvida, incapazes de relacionar tudo aquilo àquele único nome. — A melhor amiga da Vitória. Vamos terceirizar o serviço convencendo-a a pedir!

Olha só. Parece que a cada derrota ficava ainda mais ambicioso, para a infelicidade de seus amigos. Lá vem o semblante confiante que Cadu especialmente estava passando a odiar. O loiro dá uma risadinha e mira na entrada do colégio.

Ele sabia que Stephanie não havia chegado ainda porque, se já tivesse, teria a visto junto à Vitória momentos atrás. Isso era uma vantagem e desvantagem; vantagem por não terem feito o pedido a ela ainda, e desvantagem porque perderiam tempo tendo que esperá-la.

Minutos depois, enquanto revisava o conteúdo da redação no caderno, Miguel sente uma vibração no braço, interrompendo-o. Era Cadu, cutucando-o com o cotovelo e indicando para onde olhar com o queixo.

— Ali ela, olha.

Não estava enganado. Os cabelos ondulados e amarrados, junto às roupas pretas com bolinhas, feito um capote, daquela menina o certificavam da sua identidade. Assim que ela olhou para ele, Miguel gesticulou para que se aproximasse. Ele ajeita a gola do suéter e cruza os braços.

— Opa, Stephanie... você é amiga da Vitória, não é? Amigonas e tal. Então, eu meio que estou precisando de uma caneta preta para agora, mas ela não vai me emprestar porque tenho uma dívida. Tem como você pedir por mim? — diante daquelas palavras, a garota franziu as sobrancelhas e soltou ar pelo nariz. Ele não tinha certeza se era um ar de riso ou de irritação. — E aí?

— Eu já tenho pretendentes, garoto — rosnou e deu as costas.

“Metida... fica achando que tudo é em torno dela...”, pensou enquanto cerrava os punhos. Todavia, pensando no que ela disse, mais uma luz se acendeu na escuridão de sua derrota. “Pretendentes...”, repetiu consigo na mente enquanto seguia ela. Como sempre, Stephanie chegou em Vitória. As duas se cumprimentaram e começaram a conversar sobre o que fizeram há poucos minutos atrás, como se o tópico importasse. Após um silêncio devido à falta de assunto, Vitória cochichou de forma risonha:

— E aí, ainda está boba com o Bruno?

— Ai, não sei. Ele é tão bonitinho, mas mal vejo ele comer. Aquele jeito misterioso dele sempre me pega, me sinto até uma trouxa, amiga. Ele fala tão pouco mas atinge de montão. Mesmo que sejam mentiras, as palavras dele acalentam meu coração — descrevia, corada. Escutando, Miguel também corou, mas sorriu de forma tão cínica que pôde disfarçar. Quando se virou para retornar e contar seu plano para os amigos, estes já lá estavam.

— É feio escutar a conversa dos outros, Miguel... — sussurrou Cadu bem em frente a ele, fazendo o loiro pular para trás.

— Ah! Dummer...

— Agora conta o que estava bisbilhotando.

— Mas você acabou de falar que... — no meio da indagação, desistiu e deu um leve suspiro. — Bem, eu já ia fazer isso mesmo. Acabei de ouvir que a Stephanie tem uma quedinha pelo Bruno, o franzino. Agora ouçam: se eu fizer com que ele dê um selinho nela, ela, sabendo que fui seu cupido, ficará grata e colaborará com meu plano. Assim, garanto minha caneta e um dez na prova!

— Talvez seja só a caneta mesmo — murmurou Cadu, mas de uma forma que o outro pudesse ouvir de qualquer forma.

— Cala a boca. Agora vamos!

Miguel puxa Darwin e Cadu pelos seus pulsos e avança pelos corredores até o pátio, sabendo exatamente onde Bruno costumava sentar para comer seu ritualístico lanche. Ah, sim... Bruno é um cara da Hauptschule – a partir dos dez anos de idade, as crianças alemãs são separadas entre três tipos de escola, de acordo com suas capacidades: a Hauptschule, Realschule e Gymnasium, que são crescentes em nível de cobrança acadêmica, o que é alvo de críticas por alguns cidadãos. Mesmo assim, há instituições de ensino que, para manter o mesmo grau de socialização entre os estudantes, constroem as três em um lugar só, cada uma em um edifício, e este é o caso aqui–; ele é antissocial e burrinho no geral, não tendo muitos feitos ou um desempenho notável. Sua única característica marcante é sua aparência de cadáver e seu linguajar persuasivo, como se fosse o diabo induzindo Eva a comer o fruto.

Ele tem olhos claros e vazios como porcelana, cabelos bagunçados para todo o lado e contidos por um chapéu cheio de furos. Dizem que ele gosta de torturar insetos e de roer as unhas, ficando bravo quando alguém de unhas grandes o toca; há relatos de meninas que cortaram as unhas até sangrar para conquistar seu coração, mas ele, mesmo as rejeitando, não impediu o processo pois seus rostos agoniados o lembravam dos louva-deuses que desmembrava quando sozinho. Resumidamente, ele era a última pessoa por quem deveria se apaixonar.

— Lá está ele! — Miguel berrou, apontando para Bruno, que estava sentando e olhando para o horizonte de braços cruzados. Desconfortável pela sua aparência, Cadu disse:

— Ele é meio... vampírico, não é?

Darwin apenas concordou com as palavras do amigo e assistiu.

Miguel dá passos fundos e barulhentos, propositalmente chamando a atenção do de figura pálida. Ele se aproxima exageradamente e inclina o rosto em direção ao outro garoto, sentindo sua respiração fria e notando que sua expressão nula não mudava, nem com a proximidade. De forma séria, o loiro perguntou:

— Você está solteiro?

— ... Eu agradeço, mas meu negócio é outro — respondeu feito um sussurro. Cadu e Darwin seguram o riso, pondo a mão em frente à boca e ficando vermelhos. “Esse cara vai morrer cedo”, pensavam a respeito de Miguel que, agora consciente do mico que pagara, balança as mãos de forma envergonhada e dá uma risadinha nervosa.

— Espera! Não era isso que eu quis dizer — gaguejou. — Sabe a Stephanie? Então, ela gosta de ti... e, para que ela colabore conosco, eu preciso que você a beije. Só assim posso conseguir uma caneta preta para a prova de redação.

Bruno ficou em silêncio, sua expressão séria se tornando genuinamente surpresa ao ouvir a furada em que o outro se meteu. Após alguns segundos, ele solta uma leve risadinha travessa.

Hmph.

“Ele riu! Será que então... ele também gosta dela?!”, Darwin e Cadu pensaram juntos. O garoto vampírico dá um passo a frente e põe as mãos na cintura, ainda rindo baixinho.

— Há um lugar neste colégio chamado Alte Kaution, um armazém que é tido assombrado há anos, não sei se já ouviram falar — descreveu. Sua voz tinha um tom cativante, mas perturbador ao ouvinte. Para Miguel, isso era o suficiente para estar animado, pois significava que seu objetivo estava se materializando. — E, em troca deste selinho, um de vocês terão que passar um minuto lá, com a porta fechada, e sair vivo.

Espera... sair vivo? Por algum motivo, os três acharam estranho tal colocação. Claro, poderia ser apenas exagero por parte do rapaz, mas seu histórico anormal sustentava a preocupação que tinham.

Mas, mesmo diante de tudo isso, Miguel ri sorrateiramente contra sua mão e também põe as mãos na cintura, para mostrar que não era diferente de Bruno e que, se fosse preciso, o ultrapassaria naquela situação.

Ki, ki, ki. Eu não acredito em fantasmas mesmo. EU ACEITO SEU DESAFIO!

Uau! O que será que aguarda os três cavaleiros da caneta preta dentro do Alte Kaution? Quais são os mistérios por trás de Bruno, e qual é a sua conexão com este lugar? Quem será o corajoso que se colocará lá dentro primeiro? Acredito que já dá para imaginar. O jeito é seguir em frente e enfrentar o desafio de Bruno!




〜 L.C.

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